sexta-feira, 21 de agosto de 2009

PRIMEIRO FRACASSO DO "CATOLICISMO LIBERAL"


A luta pela liberdade de ensino, no reinado de Luís Felipe, conseguira unir todos os católicos franceses, mas a união não podia ser duradoura, dado o liberalismo que infeccionava muitos deles. Todos lutavam por um mesmo objetivo; nem todos, porém, tinham os mesmos princípios nem concebiam do mesmo modo o ideal pelo qual se batiam.

Os ultramontanos consideravam a liberdade religiosa como um direito da Igreja, que, sendo divina, não podia ter sua ação cerceada pelo poder civil, de modo especial no que diz respeito à educação. Luís Felipe prometera a liberdade de ensino, explicitamente garantida pela Carta que jurara ao subir ao trono. Por uma questão de tática, que não envolvia uma renúncia ou diminuição da verdadeira doutrina, os ultramontanos se limitavam, durante a campanha, a pedir que o Rei cumprisse a palavra empenhada. Já para os católicos imbuídos de liberalismo, a liberdade de ensino era apenas uma das formas de liberdade que desejavam, isto é, um bem em si, um ideal abstrato que se confundia com a própria essência do Catolicismo, e que concebiam do modo mais largo possível, tendo a Igreja tanto direito de ensinar a verdade quanto um ateu de propagar o erro.

Evidentemente os católicos liberais não chegavam a formular as últimas conseqüências de suas teorias. A condenação de Lamennais por Gregório XVI ainda era muito recente, e além disso associava-se sempre ao liberalismo a lembrança da perseguição religiosa e dos horrores da Revolução Francesa. Daí um arrefecimento nos ardores liberais de certos católicos, obrigados a velar um pouco a propaganda de suas doutrinas.

Os primeiros atos de Pio IX, logo que subiu ao trono pontifício, encheram de júbilo os católicos liberais, pois pareciam confirmar a reputação de liberal que cercava o novo Papa e denunciavam a sua disposição de aplicar em parte nos Estados Pontifícios as reformas por eles preconizadas. Esperavam os liberais que Pio IX desejasse demonstrar haver compatibilidade entre o liberalismo e a doutrina católica, tornando praticamente sem efeito a condenação de Gregório XVI. Em 1848 foi proclamada a república na França, quase sem derramamento de sangue, sem atentados contra igrejas e sacerdotes, e, pelo contrário, precedida de uma propaganda onde o Evangelho era freqüentemente citado e Nosso Senhor Jesus Cristo apontado como benfeitor da humanidade. Isso apagava o temor da perseguição religiosa e o receio de cenas à maneira da Revolução Francesa.

Os católicos liberais julgaram chegado o momento de retomar a bandeira do l’Avenir e de se lançar à propaganda de idéias deste levadas ao extremo. Fundaram então "L’Ère Nouvelle", jornal dedicado à defesa da república e das classes operárias em nome do Catolicismo. Sua alma era Frederico Ozanam. Professor da Sorbonne, cavaleiro da Legião de Honra desde 1846, fora ele o único leigo de projeção que não tomara parte na campanha de liberdade de ensino. Proclamada a república, aliou-se ao Padre Maret — que sob Napoleão III seria Grão-Mestre da Universidade e um dos baluartes do galicanismo — e procurou organizar os católicos liberais para uma ação comum. "L’Ère Nouvelle" foi fundado para ser porta-voz desse grupo. Faltava-lhe, no entanto, um nome bem conhecido nos meios católicos, e que fosse uma garantia para o movimento. Este nome foi Lacordaire, que Ozanam e o Padre Maret persuadiram a aderir à república e colaborar com eles.

A ruptura entre os dois grupos católicos foi inevitável. Os ultramontanos, que tinham aceito a república como uma questão de fato, e que se dispunham a continuar a luta em defesa dos princípios da Igreja como já vinham fazendo nos regimes anteriores, viam abrir-se uma brecha nas fileiras católicas com a fundação de "L’Ère Nouvelle", que os forçava a combater também aqueles que até a véspera tinham sido seus irmãos de armas. Congregando-se em torno de "L’Univers", foram obrigados, com pesar, a aceitar a luta.

Felizmente os excessos do novo jornal abriram os olhos dos católicos bem intencionados para as tendências do grupo que o dirigia. A república fora obrigada a se entregar a Lamartine, para poder se manter, e o Partido Republicano se apossara de vários postos no governo. Mas Ledru-Rollin, Louis Blanc e outros corifeus do republicanismo eram obrigados pelas circunstâncias a esconder suas idéias comunistas por detrás do grande nome nacional que era Lamartine, e naturalmente só passar à prática com cuidado, para não se desmascararem perante a opinião pública.

A fim de ganhar as boas graças dos católicos, o governo preparava-se para revogar o decreto de messidor do ano XIII, que declarava ilícita "toda agregação e associação religiosa". Ao mesmo tempo, trabalhava para introduzir a separação entre a Igreja e o Estado. Monsenhor Affre, Arcebispo de Paris, apoiava decididamente esta medida, chegando a afirmar que era "daqueles que têm bastante fé para estar convencido de que a fé não tem necessidade senão de si mesma", e sobre a separação afirmava que "esse pensamento da república é o meu". Apesar disso, o governo, que conhecia o pensamento católico, procurava agir com prudência, propondo preliminarmente a abolição gradual dos estipêndios pagos ao clero pelo Estado. Assim, dizia-se, a Igreja não verá mais o poder civil intervir nas nomeações dos bispos e em nenhum ato de seu apostolado. É claro que se pressupunha que os atos do apostolado fossem exclusivamente religiosos, e como tais reconhecíveis pelo governo, que portanto passaria a definir os limites da ação da Igreja. Além disso, os elementos esquerdistas do governo introduziam pouco a pouco medidas socializantes, que solapavam o direito de propriedade.

Por outro lado, Pio IX desfazia as impressões nascidas de alguns dos atos que praticara no início do seu reinado e reagia contra a corrente liberal que tomara conta dos Estados da Santa Sé. Irritados, os revolucionários italianos perderam a cabeça e fizeram o Pontífice pagar com o exílio a firmeza com que desautorizava as conseqüências que pretendiam tirar das suas primeiras atitudes. As notícias vindas da Itália mostravam pois o Papa em guerra acesa contra o liberalismo.

"L’Ère Nouvelle", que se batia pela república e apoiava muitas das medidas liberais do governo, foi perdendo a influência e afastando mesmo aqueles que poderiam colaborar com o jornal. Montalembert, que tinha formação liberal e não extirpara completamente de seu espírito os erros de Lamennais, divergia das tendências de Ozanam e combatia da própria tribuna da Câmara dos Deputados o jornal católico que ajudava o governo a socializar a França. Eleito deputado, Lacordaire fora se sentar com a Montanha, grupo de esquerdistas organizados com o espírito da antiga Montanha da Convenção Nacional. Renunciou a seu mandato e se afastou aos poucos do jornal que tanto o comprometia. A opinião católica, indecisa nos primeiros momentos, via claramente onde estava o verdadeiro pensamento da Igreja, e passou a apoiar decididamente o "L’Univers".

"L’Ère Nouvelle" era atacado na Câmara por Montalembert, e na imprensa pelo "L’Univers", que a chamava "L’Erreur Nouvelle". Vendo se afastarem seus próprios amigos, e não encontrando ressonância nem sequer na opinião pública indiferente em matéria religiosa, que se alarmava com o caráter acentuadamente comunista que tomava o governo, ficou exposto a fechar por falta de leitores. Foi então que o Marquês de La Rochejacquelein o comprou, transformando-o por algum tempo em jornal legitimista. "L’Ère Nouvelle" foi a primeira tentativa de organização dos católicos liberais. Sua tendência esquerdista o perdeu, e estaria encerrada a aventura do liberalismo católico se o Padre Dupanloup e o Conde de Falloux não viessem dar um impulso mais sério e mais duradouro a essa corrente.

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