sábado, 22 de agosto de 2009

GARCIA MORENO, MODELO DO CHEFE DE ESTADO CATÓLICO (Celso da Costa Carvalho Vidigal, in "Catolicismo" — nº 160, 163, abril e julho de 1964)

O católico que deseja a instauração de uma sociedade inteiramente de acordo com a doutrina da Santa Igreja, indaga, entre muitas outras questões, quais as possibilidades que teria um chefe de governo católico de contribuir eficazmente para a formação de tal sociedade. A vida de Garcia Moreno é um exemplo que ajuda a responder tal pergunta.

Embora distante no tempo mais de um século, a atividade desse que foi o mais católico dos chefes de Estado deste hemisfério ensina aos homens de hoje importantes aplicações da doutrina da Igreja à arte de governar. As circunstâncias históricas que cercaram a vida do grande Presidente do Equador não o tornam tão distante de nós, e além do mais nos fazem próximos dele os princípios universais que constituíram a dominante de sua existência.

A consciência de uma vocação

Garcia Moreno desde jovem lutou por seus ideais. Ao contrário de muitos que enveredam pela política para satisfazer seus interesses, ainda que legítimos, o que fez o nosso personagem envolver-se ativamente na vida de seu país foram sempre os princípios que o norteavam. Certa vez, já Presidente, um de seus irmãos testemunhara a ingratidão de seus compatriotas. Por isso o exortava a deixar a pátria, oferecendo-lhe tantos recursos financeiros quantos desejasse, para levar uma vida despreocupada e tranqüila. Garcia Moreno respondeu: "Deus não me criou para fazer o bem em qualquer lugar, mas no Equador".

Essa consciência do dever diante de Deus, que amadureceu na alma de Garcia Moreno ao longo dos anos em que se dedicou a salvar o seu país da impiedade e da imoralidade, levou-o desde cedo a uma oposição ativa contra o governo do General Urbina.

Irritado com os violentos ataques que Garcia Moreno lhe fizera através do primeiro número de seu periódico "La Nación", lançado em 8 de março de 1853, Urbina mandou adverti-lo de que seria preso se ousasse publicar o segundo número. Não logrando êxito essa ameaça, a 15 de março foi consumada a violência, com a prisão de Garcia Moreno e dois companheiros, que foram imediatamente deportados para Nova Granada (a atual Colômbia), onde deveriam ser encarcerados pelo governo de Bogotá, do qual Urbina era títere.

A caminho, recolhidos à prisão de Pasto, cidade colombiana fronteiriça com o Equador, conseguiram os prisioneiros burlar a vigilância e evadir-se. Alguns dias depois, disfarçado, Garcia Moreno penetrava em Quito a fim de tentar levantar seus correligionários contra o ditador.

Pouco tempo bastou para perceber que seus amigos, os conservadores, não haviam ainda sofrido o suficiente para se rebelarem contra a tirania urbinista. Vendo que nada conseguia, retirou-se para o Peru, de onde passou a aguardar e apressar os acontecimentos. Seus amigos de Guaiaquil elegeram-no senador. Ao abrir-se a sessão parlamentar, Urbina não hesitou em mandar prender e deportar novamente para o Peru o adversário ostensivo de seu governo, violando dessa forma as imunidades que a constituição garantia ao eleito.

Anos de exílio

Exilado no Peru, vivendo na pequena cidade marítima de Payta, aguardou Garcia Moreno por dezoito meses que a situação de seus país se modificasse. Por fim, momentaneamente desesperançado, embarcou para a França a fim de dedicar-se a estudos.

Em Paris, sofreu o fenômeno de entibiamento, que tanto persegue aqueles que são chamados às grandes obras. Não que anteriormente trilhasse com segurança os caminhos do Evangelho. Quando anos antes defendera os jesuítas ameaçados de expulsão pelo governo equatoriano, confessara: "Sou católico, sinto-me orgulhoso de sê-lo, se bem que não possa ser contado no número dos cristãos mais fervorosos". Mas o ambiente parisiense, tão deletério em muitos aspectos, ia pouco a pouco privando-o do ardor apostólico que, apesar de tudo, o animava até então.

Um incidente providencial arrancou-o dessa vertente perigosa. Certo dia, um grupo de seus amigos atacava a Religião Católica, e ele pôs-se a defendê-la com veemência. Um dos interlocutores lançou-lhe em face:

— Falais bem, meu caro. Mas essa Religião tão bela, parece-me que negligenciais um pouco a sua prática. Quanto tempo faz que vos confessastes pela última vez?

Desconcertado um instante, respondeu:

— Retrucastes-me com um argumento pessoal, que pode vos parecer excelente hoje, mas que amanhã — dou-vos minha palavra — não valerá mais.

Deixando o local, recolheu-se a longa meditação, depois da qual foi diretamente confessar-se em uma igreja. No dia seguinte aproximava-se da mesa eucarística.

Retomou então seus hábitos de piedade, para nunca mais deixá-los. Quase todos os dias era visto na Missa. Rezava diariamente o terço, devoção que sua mãe lhe havia ensinado. Foi nessa época que empreendeu a leitura da "História da Igreja", de Rohrbacher, obra ultramontana que leu três vezes, e que o inspirou quando mais tarde procurou levar o seu país para os caminhos que a Divina Providência lhe apontara.

De volta ao Equador

No fim de 1856, Urbina foi substituído por Roblez na presidência. Como este procurava ganhar popularidade à custa de indulgência para com aqueles que seu antecessor e mestre havia perseguido, os amigos de Garcia Moreno lhe obtiveram um salvo-conduto para voltar ao Equador. Recebeu inúmeras homenagens logo ao chegar. A municipalidade de Quito nomeou-o alcaide, o que correspondia a juiz de primeira instância. Vagando a reitoria da Universidade de Quito, os professores o elegeram para o cargo, em cujo exercício soube dar àquela instituição de ensino um grande impulso, atuando com uma severidade que fazia com que os alunos se empenhassem nos estudos. Criou ali uma cadeira de química, da qual foi o primeiro professor.

Entretanto, não tinha outro objetivo senão o de implantar no Equador uma ordem de coisas que favorecesse a Religião. Assim sendo, achou que devia reingressar na política, candidatando-se ao senado. Para apoiar o partido oposicionista, que então organizou, em abril de 1857 fundou um novo jornal, "La Unión Nacional". Imediatamente passou a atacar os desmandos do governo e a fazer propaganda da oposição. Apesar do grande esforço de coação que o governo de Roblez exerceu, recorrendo até mesmo à pressão policial no momento da votação, a 15 de setembro seus esforços eram coroados de êxito, elegendo-se para o senado Garcia Moreno e candidatos do seu partido.

Durante os anos em que ocupou seu lugar no senado, teve Garcia Moreno muitas ocasiões de atacar o governo e as irregularidades administrativas que este praticava. Não perdeu também a oportunidade de apresentar projeto de lei proibindo a existência de lojas maçônicas no país, em nome da aversão que um Estado oficialmente católico, e com maioria absoluta de católicos, deve ter à seita.

Como resultado de sua ação vigilante contra um governo que se esmerava em atitudes anticristãs e despóticas, Roblez e Urbina tentaram assassiná-lo. O povo de Quito, sabendo da ameaça, cercou-o no momento em que deveria ser morto, ao sair do senado, não permitindo o atentado. Em desespero de causa, determinou o governo que os seus representantes no Congresso não mais comparecessem às sessões, vindo a faltar desse modo o quorum essencial aos debates. Roblez passou então a governar sem a colaboração das casas legislativas.

A essa altura dos acontecimentos já era grande o caos administrativo no país. Na falta de outros recursos para fazê-lo voltar à ordem, e com forte apoio da opinião pública, Roblez foi destituído, e a 1º de maio de 1859 formou-se um governo provisório do qual Garcia Moreno assumiu a chefia. Resultou daí uma ação armada, que durou cerca de quinze meses e terminou no dia 24 de setembro de 1860, com a tomada de Guaiaquil, último reduto do governo deposto. Coincidindo esta data com a festa de Nossa Senhora das Mercês, decretou Garcia Moreno que, para agradecer à Mãe do Divino Libertador, bem como para merecer sua assistência no futuro, o exército seria colocado sob a proteção especial de Nossa Senhora das Mercês. A cada ano, no dia desse grande aniversário, o governo e o exército assistiriam oficialmente às solenidade da Igreja.

Chefe de Estado

Terminada a campanha militar, restava ainda a batalha política a vencer. Contando com o apoio incondicional da opinião pública, Garcia Moreno tinha diante de si não só os seus adversários, mas ainda os seus aliados. Sobre a situação então reinante, diz o seu biógrafo Pe. A. Berthe:

"Cercado pelas repúblicas vizinhas, ciumentas umas das outras mas sempre prontas a se darem as mãos para sustentar os direitos da Revolução, o Equador não poderia aceitar a direção da Igreja sem levantar tempestades na Nova Granada e no Peru. No interior, todos os partidos enfatuados de idéias modernas bradariam traição.

"Os liberais, com efeito, não viam na Igreja senão uma escrava a serviço do Estado; os radicais maçons viam nela uma inimiga a destruir; os próprios católicos hesitavam, na maior parte, entre os direitos inalienáveis da Igreja e os pretensos direitos do povo. Partidários da conciliação à outrance, empenhavam-se em resolver o problema da Igreja livre no Estado livre, da mesma forma que outrora se procurava a quadratura do círculo.

"Esses elementos disparatados, Garcia Moreno tinha podido reuni-los um instante sob a bandeira da união nacional, por isso que o instinto de conservação material era suficiente para determinar os liberais e democratas a lhe prestarem apoio contra Urbina, o inimigo comum. Mas, excelentes para ganhar a batalha, as coligações apresentam graves inconvenientes no dia seguinte à vitória: cada um dos partidos ergue-se em toda a sua estatura e pede sua parte no produto da vitória, quando não o quer inteiro para si".

Essas considerações são suficientes para fazer conhecer o ambiente dentro do qual Garcia Moreno, chefe do governo provisório, iria procurar orientar o Equador para caminhos mais de acordo com a doutrina da Igreja.

Competia-lhe, em primeiro lugar, promover as eleições que dariam ao país uma Convenção Nacional, a qual por sua vez elaboraria a nova constituição e escolheria o novo presidente. Devia pois manobrar no sentido de obter que os eleitos fossem, na medida do possível, elementos que apoiassem as reformas que pretendia realizar. Para esse efeito, modificou a legislação eleitoral de modo a facilitar a eleição de pessoas católicas e honradas. Os políticos da oposição não deixaram de se manifestar contra essa reforma, mas as eleições processaram-se normalmente, atingindo os objetivos do chefe do governo.

Na sessão de abertura da Convenção Nacional, o governo provisório entregou a esta o poder, depois de ter-lhe prestado conta de seus atos. Garcia Moreno foi, no mesmo dia, eleito presidente interino, ao mesmo tempo que era confirmado o decreto que colocara o Equador sob a proteção da Virgem das Mercês. A unanimidade que sufragou essas duas decisões não impediu que logo após, ao começarem os debates que deveriam dotar o país de uma constituição, se patenteasse a profunda divergência entre os que, junto com Garcia Moreno, queriam que ela fosse católica, e de outro lado os que desejavam que não fosse mais que um reflexo das idéias liberais e positivistas, que já infeccionavam a maior parte das constituições dos novos Estados americanos.

Um grande reformador

Garcia Moreno queria dar ao Equador uma constituição visceralmente católica, como único meio de moralizar o país pela enérgica repressão do crime e pela educação sólida das jovens gerações, a fim de proteger a Religião e realizar as reformas que nem o governo nem as leis ordinárias podiam fazer por si mesmos. Isso dizia ele em sua mensagem presidencial de 1861. Mas, a fim de evitar cristalizações que poderiam fazer cair por terra seus planos, contentou-se, no começo, com impedir que fosse promulgada qualquer disposição capaz de paralisar a restauração católica que colimava.

A constituição votada dizia, logo de início, que a Religião Católica Apostólica Romana era a Religião do Estado, com exclusão de qualquer outra. Essa declaração não era novidade nas repúblicas americanas; mas os legisladores não costumavam tirar daí todas as conseqüências, bastando dizer que, por liberalismo, em geral restringiam muito os poderes presidenciais, privando o chefe do Estado dos meios essenciais à manutenção da ordem de qualquer sociedade.

Aprovada a constituição, Garcia Moreno foi eleito presidente, mas sentiu-se na obrigação de recusar o cargo, por julgá-lo com poderes insuficientes para atingir os objetivos que tinha em vista. Com a intervenção de amigos, contudo, acedeu, assumindo a presidência. Para lhe manifestar sua boa vontade, os deputados aprovaram diversas leis orgânicas que permitiriam ao novo chefe do governo realizar muitos dos planos que a constituição aparentemente obstava. Uma dessas leis determinava que o presidente proporia uma concordata ao Soberano Pontífice, a qual seria posta em execução independentemente de ratificação do futuro congresso. Por essa porta aberta iria Garcia Moreno fazer passar todas as liberdades da Igreja, que a constituição não reconhecia.

O grande estadista desenvolveu enorme atividade, promovendo a restauração administrativa, financeira, do exército, da instrução pública e de outros setores da vida nacional. Só por essa atuação já se teria tornado digno da gratidão de seus compatriotas. Mais importante, no entanto, foi a concordata por ele proposta e assinada com a Santa Sé, e que possibilitou a reforma religiosa e conseqüente reforma moral da nação equatoriana.

Ao assumir pela primeira vez o governo do Equador, Garcia Moreno estava convencido da necessidade de devolver à Igreja o que os liberais lhe haviam usurpado. Sua vontade chocara-se com a dos convencionais que o haviam eleito, os quais não tiveram coragem suficiente para enfrentar a ira sectária dos radicais, e assim não consentiram em incluir na constituição os artigos necessários para dar à Igreja a posição que Garcia Moreno desejava assegurar-lhe em relação ao Estado equatoriano. Mas outorgaram ao presidente poderes para celebrar uma concordata com a Santa Sé, independentemente de aprovação legislativa.

A concordata e a reforma das ordens religiosas

O enviado plenipotenciário escolhido para negociar as condições da concordata com o Papa Pio IX foi o então Arcediago de Cuenca, Dom Ignacio Ordoñez. Em síntese, foram as seguintes as instruções básicas que ele recebeu para levar a termo sua missão:

1) O governo do Equador não quer impor à Igreja condições, mas tão somente suplica que a Igreja o atenda, pondo fim aos males que a desolam no país;

2) Convém que sejam proscritas todas as sociedades condenadas pela Igreja;

3) Deve ser supresso o exequatur, ou seja, a sanção da autoridade civil para dar validade aos atos pontifícios;

4) Os bispos devem ter poder de requerer, e o governo de exigir, que sejam banidos das escolas todos os livros e doutrinas condenados pela Igreja;

5) Deve ser supresso o apelo dos clérigos aos tribunais civis contra decisões de tribunais eclesiásticos;

6) Deve ser restabelecido o foro eclesiástico para os delitos de direito comum eventualmente praticados por clérigos;

7) Deve cessar a interferência da autoridade civil no provimento de cargos eclesiásticos;

8) O Estado deverá devolver os bens da Igreja.

Encerrava-se esta lista por uma instrução que esclarecia ser indispensável a reforma das Ordens religiosas que tinham degenerado no país, de modo que elas retomassem a vida regular, ou senão desaparecessem, deixando de escandalizar o povo. Pedia ainda Garcia Moreno que se mandasse ao Equador um núncio com poderes suficientes para promover tal reforma.

Depois de seis meses de negociações, o projeto de concordata foi assinado em Roma ad refendum do governo equatoriano, devendo a assinatura do documento definitivo ter lugar em Quito. Encarregado por Pio IX de representar a Santa Sé nesse ato, Monsenhor Tavani partiu para o Equador levando uma carta do Sumo Pontífice, em que felicitava Garcia Moreno por "sua piedade profunda para com a Santa Sé, por seu zelo ardente pelos interesses da Igreja Católica", e o exortava a "favorecer com todas as suas forças a plena liberdade da Esposa de Cristo, assim como a difusão dos divinos ensinamentos sobre os quais repousam a paz e a felicidade dos povos".

Tomando conhecimento da concordata, soube Garcia Moreno, ao mesmo tempo, que o Santo Padre não se dispusera a promover a reforma do clero regular da maneira cominatória que lhe fora proposta, mas sim por meios suasórios. Determinou então que seu enviado, Monsenhor Ordoñez, voltasse imediatamente a Roma para dizer ao Papa que o Presidente aceitava todos os artigos da concordata, mas que não era capaz de impô-la se a Santa Sé não impusesse a reforma aos religiosos.

Quando Monsenhor Ordoñez lhe transmitiu essa mensagem de Garcia Moreno, Pio IX insistiu: "Quero a reforma, como ele, mas não pelos mesmos meios". Ao que o prelado redargüiu, respeitosamente mas com firmeza: "O Presidente assevera que, se Vossa Santidade conhecesse a situação como ele, veria que os meios propostos são os únicos eficazes. Sem a reforma — e reforma sem demora — a execução da concordata é impossível".

Convencido graças a essa atitude ao mesmo tempo firme e filial do Presidente, Pio IX concedeu plenos poderes a Monsenhor Tavani para atingir os objetivos apontados por Garcia Moreno. Munido assim dos meios que havia solicitado à Santa Sé, pôde este promover a regeneração do clero em seu país, não obstante todo o furor maçônico que se elevou em defesa dos religiosos prevaricadores, que em sua maior parte preferiram secularizar-se ou emigrar. Contudo, aqueles que aceitaram as novas condições de vida impostas por Roma transformaram-se em um poderoso estímulo de disciplina e de virtude para o povo equatoriano.

Tinha o apoio maciço do povo

A concordata foi ratificada a 22 de abril de 1853. No mesmo ano, no mês de agosto, abriu-se a nova sessão legislativa (o que, nos termos da constituição, ocorria a cada dois anos). Irritados pela deferência filial que o governo de Garcia Moreno mostrava para com a Igreja, os radicais souberam capitalizar o apoio dos liberais para desenvolver uma ampla ação contra o presidente. Este, desanimado com essa atitude dos deputados, que — ao contrário do povo, que lhe dispensava apoio maciço — não reconheciam seu imenso esforço de salvação do país, ofereceu ao Congresso sua demissão, caso este insistisse em combater as medidas de saneamento que ele vinha executando, à frente das quais estava a reforma religiosa.

Não aceitaram os deputados a solução ofertada, receando as conseqüências imediatas que ela poderia ter no plano internacional, especialmente com relação a Nova Granada (Colômbia), cujo governo estudava os meios de anexar o Equador. Contudo, votaram as duas câmaras uma lei que determinava a reforma da concordata, lei essa que Garcia Moreno não sancionou por julgá-la contrária aos interesses da nação. Mais do que isso, porque feria os direitos inalienáveis da Igreja.

Ainda outras vezes, durante esse seu primeiro mandato presidencial, quis Garcia Moreno abrir mão do cargo, o que não aconteceu devido à resistência daqueles que viam nele o único obstáculo oposto à desordem transformada em sistema, que os liberais desejavam implantar, e o único homem capaz de dirigir o país com autoridade e com justiça, de modo a assegurar ao Equador a paz e a prosperidade que várias administrações danosas lhe haviam negado. Assim, apesar de vários atentados contra sua vida, e das revoltas deflagradas por elementos radicais inimigos da Fé, e apoiadas militarmente pelos governos peruano e colombiano, o grande presidente chegou ao término de seu mandato, tendo reposto o país em completa tranqüilidade.

Atitude débil dos sucessores

O Presidente Carrion, eleito pelos conservadores para sucedê-lo, não soube continuar sua ação firme e prudente. Cioso de demonstrar com relação a Garcia Moreno uma independência que nada justificava, escolheu para ministro do interior um liberal inimigo do seu ilustre antecessor. Querendo com isso parecer grande, tornou-se pequeno, pois desde o início os radicais perceberam que essa atitude de congraçamento entre conservadores e liberais, ao invés de fortalecer o governo, antes o debilitava, forçando-o a fazer concessões à desordem pregada e promovida pelo partido liberal. A conseqüência dessa política que começava débil foi o renascimento de uma propaganda revolucionária que se avolumou mês a mês, até levar Carrion a pedir demissão em 6 de novembro de 1867.

Indicado por Garcia Moreno, foi lançado como candidato à sucessão o advogado Javier Espinosa. Convocadas imediatamente as eleições pelo vice-presidente, não tiveram os radicais sequer coragem de opor outro candidato a Espinosa, tal o prestígio que o patrono de sua candidatura lhe conferia. Eleito sem oposição, assumiu Espinosa o poder pelos dezoito meses que faltavam para completar o período presidencial. Seu governo consistiu na mesma sucessão de erros que haviam provocado a queda de Carrion, e teve um fim análogo.

Observe-se aqui um fato singular. Tanto Carrion como Espinosa pertenciam ao partido conservador; tanto um como outro foram indicados por Garcia Moreno; ambos afastaram-se deste para exercer um governo do qual não pudesse ser dito que era influenciado pelo líder natural do partido e do Equador; e os dois tiveram de deixar o cargo antes de cumprido o mandato, por terem-se aliado ao partido liberal, cujas tendências, cuja filosofia e cujos métodos de ação, ao invés de lhe darem força, antes enfraqueciam aqueles a quem apoiava.

Um grande administrador

Em face da ampla liberdade que o governo de Espinosa dava aos radicais, estes tornaram-se cada vez mais ousados. Ao se aproximarem novas eleições, em que Garcia Moreno seria certamente eleito para um segundo período, resolveram eles derrubar Espinosa, tomando conta do poder e evitando assim o que seria, para a facção, uma nova catástrofe eleitoral e política. Prevenidos a tempo desse plano e da data em que seria levado a efeito, puderam Garcia Moreno e seus amigos levantar o exército dois dias antes. Depondo o governo, asseguraram a ordem no país inteiro, desbaratando o movimento radical. Assumiu então a presidência o próprio Garcia Moreno, que desde logo declarou que iria convocar uma Convenção nacional para promover a reforma da constituição, transformando-a em um instrumento apto a promover a ordem e a justiça. Desta vez estava bem decidido a realizar a obra de civilização católica, da qual pudera apenas fixar as bases quando de seu primeiro período de governo. Ao mesmo tempo, anunciou que não aceitaria sua eleição para a presidência no período que estava para se iniciar, tornando com isso evidente o seu desapego de qualquer posição ou mandato.

Assumindo novamente a direção do país, como primeira medida Garcia Moreno revogou certas limitações que seus antecessores haviam imposto à execução da concordata que ele havia assinado com Roma. Logo após, promoveu a convocação da Convenção nacional, que deveria elaborar a nova constituição e escolher o novo presidente. Eleita e empossada a nova assembléia constituinte, depôs nas mãos desta o cargo que assumira em um momento difícil. Os convencionais não hesitaram em eleger para substituí-lo, como presidente interino, o seu próprio cunhado, Manuel Ascasubi, o qual o nomeou imediatamente seu ministro das finanças.

A Convenção, querendo pagar uma dívida de gratidão para com quem tantas vezes dirigira com êxito as forças militares do país, ainda nomeou Garcia Moreno general em chefe do exército. Ao receber comunicação desse fato, ele respondeu que aceitava o cargo para "continuar a defender a Religião e a pátria", e que contava "com a cooperação do povo, o valor e a lealdade do exército, e sobretudo com a proteção da Providência".

Depois a Convenção iniciou os debates sobre a constituição, dos quais resultou a rápida aprovação do projeto preparado por Garcia Moreno e defendido por ele mesmo, que, na qualidade de ministro, comparecia à assembléia para sustentar seus pontos de vista. Isso fez com que o texto definitivo não apresentasse senão pequenas modificações com relação ao original. Passou-se então à eleição do presidente. Diante da declaração solene que Garcia Moreno havia feito, de que não aceitaria o lugar, tudo levava a crer que haveria um impasse; não se deixaram os congressistas inibir por isso. Ao se reunirem para a eleição, deram ao grande estadista todos os votos menos um. A princípio firme em sua deliberação, por fim Garcia Moreno teve de aceitar essa escolha que era feita com o intuito de tornar possível a execução de uma carta constitucional que — a experiência o provava — outro não seria capaz de fazer cumprir.

Vale aqui mencionar alguns dos dispositivos especificamente católicos da nova lei magna. Começava por dizer: "Em nome de Deus Uno e Trino, autor, conservador e legislador do universo, a Convenção Nacional decretou a presente constituição". Mais adiante estabelecia que não pode ser eleitor, não é elegível nem pode ser funcionário de qualquer categoria quem não professar a Religião Católica. E declarava que perdia seus direitos de cidadão todo indivíduo que pertencesse a uma sociedade proibida pela Igreja. Consagrando o que já havia sido estabelecido na concordata, a constituição punha um freio definitivo a qualquer tentativa do poder civil de se imiscuir nos negócios exclusivamente religiosos.

Com a nova constituição pôde Garcia Moreno executar a obra de regeneração do Equador, que se havia proposto. Tivera o cuidado de incluir no texto constitucional dois dispositivos que lhe permitiriam exercer uma ação eficaz e duradoura: o mandato presidencial estender-se-ia por seis anos, podendo haver reeleição por uma vez, e o presidente teria a faculdade de vetar as leis aprovadas pelo Congresso, que não poderiam ser objeto de nova deliberação por parte deste antes de dois anos.

Muito longo seria enumerar as realizações administrativas desse segundo período de governo. Deve-se contudo mencionar que a nação, respeitosa dos direitos de Deus e dirigida por um chefe de valor excepcional, entrou numa fase de grande desenvolvimento, como ainda não se vira em nenhuma república sul-americana.

Em defesa dos direitos do Papa-rei

Um dos fatos notáveis desse período foi a consagração do Equador ao Sagrado Coração de Jesus, a pedido do Presidente, feita pelo III Concílio de Quito. Dizia a proclamação respectiva que o maior bem de um povo é conservar intacta a Fé Católica Apostólica Romana; que esse bem depende, não de nossos méritos, mas da misericórdia de Deus; que a nação o obterá se se lançar com humildade no Coração de Jesus. Em conseqüência, o Concílio de Quito oferece e consagra solenemente a República ao Sagrado Coração, suplicando-Lhe que seja seu protetor, seu guia e seu defensor, a fim de que ela jamais se afaste da Fé Católica Apostólica Romana, e que os habitantes do Equador, conformando sua vida a essa fé, encontrem nela a felicidade no tempo e na eternidade.

Enquanto essa jovem república se elevava aos olhos de Deus, na Itália Vitorio Emanuel, Rei do Piemonte, instigado por seus conselheiros maçons, invadia e pilhava Roma, privando o Santo Padre do seu poder temporal. Dirigiu Garcia Moreno enérgica advertência ao governo piemontês, dizendo que, não tendo havido nenhuma manifestação de nação mais autorizada, o Equador, embora pequeno e distante, protestava contra o ignóbil atentado e esperava que o Rei do Piemonte repararia os deploráveis efeitos de um momento de vertigem, antes que o trono de seus augustos antepassados fosse reduzido a cinzas pelo fogo vingador das revoluções.

O Presidente mandou cópia de seu protesto a todas as demais repúblicas sul-americanas, pedindo que fizessem o mesmo, mas não encontrou eco. Não satisfeito com isso, Garcia Moreno fez votar uma lei outorgando um donativo vultoso ao Papa, pois este, privado de suas rendas, teria de enfrentar graves dificuldades financeiras.

Na carta de agradecimento que Pio IX lhe enviou, estão palavras que consagram o governo desse modelo de estadista católico:

"Não sabemos se Nossas ações de graças devem ter por objeto as provas de vossa insigne devoção para coNosco, mais do que os favores com que Deus Se compraz em vos recompensar. Com efeito, sem uma intervenção divina toda especial, seria bem difícil compreender como, em tão pouco tempo, restabelecestes a paz, pagastes uma parte notável da dívida pública, dobrastes as rendas, suprimistes os impostos vexatórios, restaurastes o ensino, criastes estradas, asilos, hospitais.

"Mas, acima de tudo, Nós vos felicitamos pela piedade com que atribuís a Deus e à Igreja todos os vossos êxitos, persuadido de que sem a moralidade, de que somente a Igreja Católica ensina e mantém os preceitos, não poderia haver para os povos verdadeiro progresso".

Garcia Moreno morreu assassinado na escadaria da catedral de Quito, poucos dias antes da data em que deveria assumir a presidência por mais um período, para o qual havia sido reeleito. Sua morte foi a realização de um intento que havia muitos anos era acalentado pela maçonaria, a qual nada poupou para atingir esse seu infame objetivo. Deus terá em sua glória esse estadista autenticamente católico, a quem uma das menores nações da América deve a honra de ter-se tornado — no meio de um século laicizante, que destruiu altares e profanou a própria capital da Cristandade — a maior expressão da ação da graça divina na sociedade civil.

(Celso da Costa Carvalho Vidigal, in "Catolicismo" — nº 160, 163, abril e julho de 1964)

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

MINHA PROFISSÃO DE FÉ POLÍTICA É O CREDO

Perdido o "Univers" e fracassados os entendimentos para reeditá-lo na Bélgica, Veuillot se encontrava diante de uma perspectiva bem sombria. Era do jornal que tivera a subsistência de sua família, e o seu fechamento a ameaçava com a miséria. Não faltaram ofertas de emprego, algumas bem tentadoras, mas ele sempre as recusava para estar livre no momento em que pudesse reencetar sua carreira de jornalista. Nada o demovia dessa linha de conduta. Completamente dedicado à Igreja, e certo de que era no jornalismo que a Providência desejava que ele trabalhasse, permanecia generosamente fiel à sua vocação, mesmo quando as circunstâncias pareciam indicar que esta se tornara impossível.

Em 1862 os católicos de Avignon se aliaram aos monarquistas e ofereceram a Louis Veuillot uma cadeira de deputado. O Sr. Delcamps em nome dos católicos, e o Conde de Valori no dos monarquistas, foram procurá-lo para o persuadir a aceitar. Veuillot respondeu com uma carta a Delcamps, que é um verdadeiro modelo de desapego, um dos documentos que retrata toda a alma de um homem visceralmente penetrado de espírito de fé e de confiança na Providência:

"Não me sinto tentado. O que faço tranqüilamente em casa vale mais ou menos o que poderia fazer na Câmara, de modo que não sou obrigado a perder minha virgindade em matéria de juramento. Quando eu tinha as simpatias do governo, e não tinha senão ligeiras inquietações pelo futuro, recusei duas vezes a candidatura: a primeira, porque o emprego de deputado me parecia oneroso para um homem sem fortuna; a segunda, porque esse mesmo emprego se tornara rendoso, e porque, em suma, era um presente do poder. Rejeitei as honrarias e os proventos, como já recusara também a Legião de Honra. Sei que o caso agora não é o mesmo, e minha repugnância é também menos forte. Entretanto, para aceitar, desejaria duas coisas que não vejo: o dever, em primeiro lugar; e o apelo do clero.

"Sou muito grato ao Sr. de Valori por ter pensado em mim. Agradecei-lhe de minha parte, e que ele me permita dizer francamente, como entre pessoas que conversam de negócios, que seu patrocínio não é aquele de que necessito. Por mais honroso que seja, é um patrocínio de partido. Ora, não posso e não quero estar comprometido com nenhum partido. O Sr. de Valori compreenderá bem isso; seus amigos seriam provavelmente menos compreensivos. Eu sou sacristão, como diz la Bédollière com muita razão; sou o humilde servidor da Igreja; uso sua libré, e não aceito nenhum outro caráter porque não aceitaria nenhuma outra servidão. Vós lestes tudo o que escrevi, e não tenho, portanto, necessidade de vos dizer o quanto sou monarquista. Mas, antes de mais nada, sou sacristão. Minha profissão de fé, mesmo política, é o Credo. Et unam, sanctam, catholicam, et apostolicam Ecclesiam. É preciso que isso seja dito e ouvido, e que a Igreja me chame para que eu me adiante".

Para manter sua família, Louis Veuillot passou a se dedicar à literatura, e são dessa época a maioria de suas obras, entre as quais as duas mais célebres: "Le parfum de Rome" e "Les odeurs de Paris". Com a literatura ele procurava substituir a tribuna que perdera e manter os inimigos da Igreja debaixo de sua vigilância, sem renunciar ao seu ideal de jornalista, nem muito menos aceitar compromissos que poderiam pôr a perder a sua obra.

O sucesso de seus livros foi enorme. As edições se sucediam, e realmente Veuillot conseguiu, em parte, manter viva entre os católicos a chama ateada pelo "Univers". Do ponto de vista financeiro, o resultado foi muito melhor do que ele poderia esperar. Nunca o redator do "Univers" ganhara tanto quanto o autor celebrado por todos: pelos amigos, que o aplaudiam; e pelos inimigos, que o combatiam com o mesmo ódio de sempre.

Infelizmente, porém, o livro não tem a mesma eficácia do jornal, como arma de combate. Veuillot sentiu bem a diferença quando Pio IX publicou o Syllabus. Embora seu prestígio fosse muito grande, a ponto de sistematicamente os jornais o fazerem co-responsável por todos os atos da Igreja, ele não pôde participar, tão ativamente como desejaria, na polêmica que se travou a propósito da condenação do liberalismo.

Em resposta ao livro de Mons. Dupanloup "A Convenção de setembro e a Encíclica de 8 de dezembro", escreveu "A ilusão liberal", onde desmascara completamente os erros do Bispo de Orléans. Não era essa, no entanto, a parte que Veuillot gostaria de ter na luta. Ele sofria por se ver privado da espada, num momento tão importante para a história da Igreja.

Alguns anos antes, logo após o fechamento do "Univers", Veuillot escrevia a Gustavo de la Tour, durante uma estadia no interior da França: "Todo o aspecto do mundo é triste e horrível em toda parte. Estes lugares que eram bons, e que sob certos aspectos são ainda bons, decaem rapidamente. Vão todos à missa, confessam-se e comungam, mas em primeiro lugar são socialistas, depois partidários do Império, e só por último cristãos. A política, os jornais, os passeios, as tabernas fazem um mal incalculável. Não há mais cabeças: o gênero humano está bem amadurecido para o despotismo, e será ligado como uma alimária em proveito de algumas outras alimárias.... Volto a Paris para acabar um livro inútil".

O livro inútil era "Le parfum de Rome". Diante da decadência do mundo, Veuillot julgava inútil o melhor de seus livros, e só o dever o levava a concluí-lo. Felizmente, o advento do Império liberal iria permitir o reaparecimento do "Univers", e Veuillot então voltaria, com mais ardor do que nunca, a tentar opor um dique a essa avalanche de erros e corrupção que cada vez mais afastava o mundo da Igreja, única força capaz de impedir a sua total desagregação.

PIO IX PUBLICA O "SYLLABUS"

Desde a revolução de 1848, tropas francesas e austríacas protegiam os Estados Pontifícios contra os revolucionários italianos, e a Santa Sé não tinha um exército próprio para se opor ao governo do Piemonte. Com a mudança política de Napoleão III e sua vitória na guerra contra a Áustria, a situação se agravou, pois a defesa dos territórios da Igreja ficou na dependência exclusiva da França, que passou a auxiliar a unificação italiana, permitindo mesmo que o Piemonte se apoderasse de domínios do Papa. Pio IX protestou energicamente contra as espoliações de que fora vítima a Santa Sé com a conivência e com o auxílio do governo imperial. Como conseqüência, houve uma tal manifestação da opinião pública francesa contra a política italiana de Napoleão III, que este se viu obrigado a exigir que o Piemonte se contentasse com as vantagens que já obtivera.

Em 1864 Pio IX ficou gravemente doente, e o Imperador julgou o momento oportuno para dar mais um passo na unificação da Itália. A 15 de setembro assinou com os plenipotenciários do governo de Turim uma convenção, conhecida como convenção de setembro, pela qual as tropas francesas seriam retiradas dos Estados Pontifícios. Para salvar as aparências, a capital da Itália unificada era fixada em Florença, como se tivesse sido abandonado o propósito de estabelecê-la em Roma; o Piemonte se comprometia a não atacar nem deixar atacar a Cidade Eterna; e a Santa Sé poderia equipar um exército próprio, com a condição de não ser muito forte, ou seja, de não perturbar a paz na península.

Tudo fora combinado no maior segredo, a ponto de Pio IX, a Imperatriz Eugênia e o próprio Rei Vítor Emanuel só terem conhecimento da convenção depois de ela assinada. O Papa protestou, e logo tratou de organizar um exército, mas é claro que só com o tempo este poderia adquirir a necessária eficiência. A Santa Sé ficava pois à mercê dos revolucionários italianos.

Por outro lado, na França a ofensiva dos católicos liberais continuava; menos declarada, porém mais astuta e não menos viva. Assim é que no segundo congresso de Malines, realizado nesse ano de 1864, Montalembert foi substituído por Mons. Dupanloup, muito mais hábil e mais diplomático.

Disposto a pôr cobro a todos esses erros, no dia 8 de dezembro de 1864 Pio IX publicou a encíclica "Quanta Cura", condenando o liberalismo, e um catálogo de erros liberais já fulminados pelos Soberanos Pontífices, o célebre "Syllabus".

Esses dois documentos foram acolhidos com enorme emoção. O governo francês proibiu a sua publicação e quis impedir que os bispos os divulgassem. No entanto, eram documentos importantes demais para que se fizesse silêncio sobre eles. Ninguém se preocupou com a proibição do governo, e logo teve início uma violenta polêmica entre os partidários e adversários do "Syllabus", passando este a ser o objeto dominante de todas as preocupações.

Montalembert, vendo que a Encíclica "Quanta Cura" e o "Syllabus" eram a condenação completa do catolicismo liberal, resolveu, de acordo com Augustin Cochin e o Príncipe de Broglie, fechar o "Correspondant". Em carta ao Conde de Falloux, ele diz: "Caro amigo, parto neste mesmo instante para a solidão de Morvan, para aí amortalhar a minha dor e — é preciso confessar — a minha vergonha. Já não tenho senão uma ambição: a de nos ver unidos no naufrágio, como o fomos nas lutas por mais de vinte anos".

Os jornais ultramontanos defendiam a encíclica e o "Syllabus" contra a verdadeira avalanche de ataques que vinha de todos os lados: eram os inimigos da Igreja, os partidários da Revolução, os saudosistas do tempo de Luiz Filipe, enfim todos os que viam com mágoa e apreensão a solene condenação do liberalismo e da Revolução.

Mons. Dupanloup recebeu a notícia da Encíclica quando preparava o protesto contra a convenção de setembro, e imediatamente começou a elaborar uma interpretação que diminuísse o efeito do golpe vibrado contra o catolicismo liberal. A 23 de janeiro de 1865, lança ele o seu famoso livro "A convenção de 15 de setembro e a encíclica de 8 de dezembro". Misturando as duas questões, podia defender Pio IX ao mesmo tempo que defendia seus amigos liberais. Os ataques contra a encíclica eram de todos os tons. Selecionando cuidadosamente o que lhe convinha refutar, o Bispo de Orléans mostrava quanto de errado tinham as investidas dos inimigos da Igreja, e voltava novamente a aplicar a distinção entre tese e hipótese no que diz respeito aos erros fulminados pelo Papa.

Em quinze dias foram vendidos 100.000 exemplares do livro de Mons. Dupanloup, e poucas semanas depois numerosos bispos o tinham felicitado. O Santo Padre Pio IX congratulou-se com ele, por ter repelido tão bem as interpretações ineptas, desleais e caluniosas publicadas a respeito do "Syllabus", e aconselhou-o a completar o livro com o que era necessário dizer quanto à doutrina. Mons. Dupanloup não seguiu o conselho de Pio IX. Apesar da interpretação que ele fez da encíclica, o catolicismo liberal fora seriamente atingido, e nunca mais teria o brilho e o impulso que marcara o seu desenvolvimento desde o fechamento do "Univers".

Pio IX, por outro lado, já nessa época preparava em segredo o Concílio do Vaticano. A 6 de dezembro de 1864, dois dias antes de publicar a encíclica, comunicara ao Sacro Colégio sua intenção de reunir um grande concílio. E em março de 1865 constituiu uma comissão de cinco cardeais para discutir as questões preliminares. No Concílio do Vaticano, as últimas manifestações dessa primeira fase do catolicismo liberal vão dar a triste medida dos erros desse movimento.

"OBRA-PRIMA DE ELOQÜENTE ESCAMOTEAÇÃO"

A publicação do "Syllabus" foi mal recebida por todos os governos e provocou incidentes em muitos lugares, alguns até graves, que revelavam o ódio dos revolucionários. Assim, em Nápoles e Palermo exemplares do documento foram queimados em praça pública.

As manifestações de apoio, no entanto, foram também numerosas e entusiastas. Em Turim, 15.000 católicos se reuniram para exprimir ao Papa sua gratidão. Em Viena, o Pe. Schrader lançou uma coleção de livros com o título "Der Papste und die modernen Ideen". Defendendo nessa obra as teses do "Syllabus", sua aceitação tornava clara a adesão da maioria do clero austríaco à orientação da Santa Sé. De 1865 a 1869, os "Stimmen aus der Maria Lach" publicaram uma série de artigos difundindo e explicando os ensinamentos pontifícios. Na Espanha, o "Pensamiento Español" tomava como lema a negação da 80ª proposição condenada: "O Pontífice Romano pode e deve se reconciliar e transigir com o progresso, o liberalismo e a civilização moderna".

Em todos os países a luta se impunha. Mas, se não era possível a união dos fiéis contra o inimigo comum, o ambiente criado pelos ultramontanos impedia a maioria dos católicos liberais de tomar uma atitude de revolta aberta e declarada. Fato sintomático foi ocorrido em Munich. Doellinger, interpretando o pensamento doutrinário da escola de que era chefe, preparou um violento panfleto contra o "Syllabus". Seus amigos, percebendo a inoportunidade do livro, impediram a sua divulgação. Se hoje o conhecemos, isso se deve ao fato de Doellinger o ter publicado depois de sua apostasia. A divulgação do "Syllabus" tornara patente que, se em certas elites o catolicismo liberal tivera sucesso, a grande maioria dos católicos não o acompanharia em aventuras contra a Santa Sé.

Era natural, a essa altura, que as atenções se voltassem todas para a França. Lá é que se organizara a facção católico-liberal, lá estavam os seus chefes, e de lá tinham partido grandes ofensivas do movimento. Os católicos liberais, completamente desnorteados com a condenação, procurando febrilmente o modo de se revelarem, esperavam com ansiedade o pronunciamento dos líderes franceses. Isso explica o sucesso do livro de Mons. Dupanloup, "A convenção de 15 de setembro e a encíclica de 8 de dezembro". Era a tábua de salvação a que eles se podiam apegar, para não soçobrar definitivamente.

Mons. Dupanloup interpretava o "Syllabus" com a célebre distinção entre a tese e a hipótese. Distinção às vezes legítima, mas que só pode ser aplicada com o máximo cuidado. A tese é a verdade imutável, em toda sua pureza. A hipótese, sua aplicação concreta, leva em conta as condições da sociedade. A hipótese pode ser tolerada num momento dado, como uma concessão imposta pelos fatos; nunca, porém, substitui a tese. É apenas um mal menor, e a obrigação do católico é trabalhar para que cessem as contingências que não permitem a aplicação da tese, aceitando com tristeza a necessidade da hipótese. Mons. Dupanloup transforma as teses liberais em meras hipóteses, embora na realidade elas fossem exatamente a negação das teses católicas.

Elogiada por Montalembert como "uma obra prima de eloqüente escamoteação", essa obra era a única escapatória, bem fraca, e serviu apenas para reanimar os membros do grupo do Bispo de Orléans. Estes, obrigados a se moderar, a renunciar à política de colocar a Santa Sé diante do fato consumado e a ficar no terreno da hipótese, foram paulatinamente perdendo a pouca influência que ainda conservavam nos meios católicos.

O "Correspondant" — órgão dos chefes do catolicismo liberal, e por isso colocado no centro dos acontecimentos — teve um acréscimo de irradiação por ser alvo da curiosidade universal, ansiosa por conhecer sua reação. Isso não iludia, porém, os seus redatores mais conscientes. Eles sabiam que sua posição era insustentável, e que essa maior penetração não se dava nos meios católicos, justamente os que deviam ser mais atingidos pela revista. Por outro lado, o desacordo na redação era completo. Enquanto de Broglie, Augustin Cochin e outros recomendavam moderação, Montalembert, sempre fogoso, queria a todo custo voltar a forçar os acontecimentos, o que obrigou a revista a recusar um artigo de sua autoria.

Nos meios católicos, a grande maioria dos simpatizantes do movimento liberal não ficou no meio termo preconizado por Mons. Dupanloup. Alguns se aproximaram dos ultramontanos, como por exemplo a revista "Études", dirigida por jesuítas. Outros se reuniram em torno de Mons. Maret, que ia mais longe ainda que os católicos liberais. Considerava a própria tese como contingente, apresentando os postulados liberais como o feliz resultado do progresso da razão humana. Houve ainda os aderentes a grupos eclesiásticos que, numa última efervescência de galicanismo, combatiam e criticavam abertamente a Santa Sé.

O grupo reduzido do "Correspondant" não pôde nem sequer evitar o descrédito perante a opinião pública. Uma das primeiras conseqüências da "obra prima de eloqüente escamoteação", de Mons. Dupanloup, foi uma polêmica generalizada a respeito da distinção entre a tese e a hipótese. No emaranhado das discussões, o povo, ante as diferenças sutis que os católicos liberais eram obrigados a estabelecer, resumia bem o seu pensamento com a frase jocosa que então se espalhou: "A tese é queimar o Sr. Rotschild; a hipótese, jantar com ele".

O livro de Mons. Dupanloup conseguiu apenas amortecer o golpe que fora vibrado no catolicismo liberal. O "Syllabus" alertara os simpatizantes do movimento. Alguns se aproximaram do ultramontanismo; outros, abandonando a posição insustentável do "Correspondant", acentuaram seus erros, colocando-se nitidamente debaixo da condenação da Santa Sé. Na sua "Histoire réligieuse de la France contemporaine", Adrien Dansett, depois de narrar as resistências eclesiástica ao "Syllabus", conclui com a seguinte afirmação bem verdadeira: "É necessário não se enganar sobre a eficácia muito limitada dessas resistências eclesiásticas. Pio IX infligiu ao catolicismo liberal uma derrota da qual ele levará mais de doze anos para se reerguer. O poder de Roma se estende sem cessar; o grande sopro que exalta a autoridade pontifícia, e que leva a Igreja do galicanismo ao ultramontanismo, vai logo conduzir o papado a essa apoteose que será o Concílio do Vaticano".

De qualquer forma, porém, não deixa de ser verdade que a publicação da obra de Mons. Dupanloup salvou a vida do chamado liberalismo católico, permitindo-lhe esse reerguimento depois de um bom número de anos.

OS CATÓLICOS FRANCESES NO SÉCULO XIX

No primeiro capítulo de seu livro "Des intérêts catholiques au dix-neuvième siècle", Montalembert, descrevendo a situação da Igreja em 1800, mostrava em toda parte ruínas e perseguições, e não vislumbrava nesse vasto naufrágio o menor sinal que justificasse a esperança de melhores dias para a Igreja de Nosso Senhor. Uma testemunha dessa época, Joseph de Maistre, respondia a uma carta do Marquês de *** com estas palavras: "O Sr. me pede para abrir o coração sobre uma das maiores questões que podem interessar hoje um homem sensato. Quer que eu exponha meu pensamento sobre o estado atual do Cristianismo na Europa. Poderia lhe responder em duas palavras: olhe e chore".

Realmente tudo parecia perdido. Depois de ter abatido um dos mais fortes e mais gloriosos tronos da Cristandade e aprisionado o Santo Padre, fonte e seiva da Civilização Católica, a Revolução, julgando ter realizado a primeira parte do seu programa, iniciava uma nova fase, na qual, sem os horrores dos tempos iniciais, espalhava suas idéias num mundo atemorizado, o qual buscava nessa pretensa conversão do monstro revolucionário o pretexto para não mais o combater. Por outro lado, as monarquias tradicionais, que deveriam liderar a reação, procuravam se amoldar aos novos princípios, numa ânsia insofrida de não perder seus tronos, ou ressuscitavam os antigos erros regalistas, imaginando opor-se tanto melhor à Revolução quanto mais absolutistas se mostrassem. Para agravar a calamidade, morto Pio VI em Valença, a Igreja entrava no novo século sem Pastor e com o Sacro Colégio disperso, impedido de voltar a Roma e enfrentando as maiores dificuldades para se reunir a fim de eleger o novo Pontífice.

Titubeantes e fracos no início da Revolução, sacrificando tudo quanto era humanamente possível para não enfrentá-la, os católicos, no entanto, haviam suportado o martírio com denodo quando a Revolução quis exigir mais do que eles poderiam conceder. Essa firmeza na defesa de seus princípios transformaria a fisionomia do século, que se iniciava com tão maus prognósticos. Um renascimento católico pujante seria o fruto dos sofrimentos e da bravura dos católicos da era da Revolução.

Esse reflorescimento católico foi universal, bastando lembrar os nomes de O’Connell na Inglaterra, Balmes e Donoso Cortés na Espanha e Windhorst na Alemanha. Mas, como não poderia deixar de ser, foi a França o seu berço, e lá serão travadas, durante todo o curso de século XIX, as batalhas mais acesas entre a Igreja e a Revolução, batalhas essas seguidas com interesse por todo o mundo, e cujo resultado era ansiosamente esperado, pois indicaria o curso que seria seguido pela humanidade. Assim, estudando o movimento católico francês ter-se-á uma visão de conjunto do Catolicismo no século XIX.

Esse movimento teve por ponto de partida dois homens, dos quais um é justamente célebre e de renome universal, e o outro injustamente esquecido: Joseph de Maistre e o Pe. Bourdier Delpuits.

Justificando o velho ditado de que Deus escreve direito por linhas tortas, um dos grandes benefícios advindos indiretamente da Revolução, senão o maior, foi ter levado Joseph de Maistre a escrever os seus célebres livros. Senador da Savóia e vivendo num país organizado, sua existência transcorria serena quando arrebentou a Revolução. Obrigado a emigrar, o espetáculo de devastação que presenciou e sua larga visão do futuro levaram-no a tomar da pena para combatê-la, advertindo a humanidade dos perigos que correria se seguisse seus princípios e apontando o abismo em que fatalmente viria a cair com sua vitória. Daí os livros que o fizeram um clássico da literatura francesa, entre eles o célebre "Du Pape", que o transformou em líder das novas gerações católicas.

O livro "Du Pape", verdadeiro hino ao Papado, restabelece o seu verdadeiro lugar na História, os seus direitos e prerrogativas, e principalmente dá um impulso novo à doutrina da infalibilidade do soberano Pontífice, que o Concílio do Vaticano, em 1870, promulgaria dogma. Foi o livro que mais influiu nos católicos do século XIX. Daí por diante foram conhecidos por ultramontanos os que seguiam as suas idéias. Louis Veuillot, respondendo a "Le Siècle", que apontava o ultramontanismo como uma nova seita, podia dizer que católico e ultramontano eram palavras perfeitamente equivalentes, sendo uma sinônima da outra; pois, a não ser os galicanos, todos os católicos se declaravam ultramontanos.

O Pe. Bourdier Delpuits entrara muito jovem na Companhia de Jesus. Em 1762, quando esta fora expulsa da França, ainda não tinha ele pronunciado os últimos votos, o que lhe permitiu entrar no clero secular. Durante a Revolução, foi preso e exilado, mas voltou à França antes da queda de Robespierre, por julgar de seu dever exercer ali o sagrado ministério, apesar dos perigos que corriam os padres refratários. Preocupado com a situação dos jovens, e principalmente dos universitários, o Pe. Delpuits, aproveitando a liberdade que Napoleão concedera ao exercício do culto, fundou a 2 de fevereiro de 1801 a Congregação Mariana Santa Maria Auxilium Christianorum, conhecida na história da França simplesmente por "a congregação".

Foi essa Congregação Mariana que deu verdadeira formação religiosa à juventude que crescera sob a Revolução. Dela saíram os primeiros grandes nomes católicos neste século: o Duque Mathieu de Montmorency, o Cardeal Príncipe de Rohan e Félicité de Lamennais. Seus congregados eram incansáveis no serviço da Igreja. Quando Napoleão, depois de tentar subjugar a Igreja, entrou em luta aberta contra ela, foram os congregados que trouxeram a bula de excomunhão do imperador e a publicaram em Paris. No auge da luta, quando Napoleão prendeu o Papa e impediu a comunicação entre os cardeais, foram eles que, burlando a polícia mais bem organizada daquela época, serviram de mensageiros entre os membros do Sacro Colégio que estavam na França. A congregação foi a primeira a ser combatida pelos revolucionários, que no fim da restauração lhe moveram uma perseguição sistemática, até abatê-la, aproveitando-se da fraqueza de Carlos X. Mas, ao desaparecer, a semente já estava lançada: conversão numerosa se anunciava, e Lamennais já liderava um dos mais auspiciosos movimentos católicos que jamais apareceram na França.

Napoleão não se iludiu com a pseudo-derrota da Igreja no início do século, e tentou uma retirada dando-lhe aparente liberdade, mas tentando por todas as formas subordiná-la ao Estado. A Restauração mostrou-se incapaz de reconstruir a antiga monarquia francesa. Aproveitando-se de todas as instituições napoleônicas, tentou se amoldar às novas idéias e restaurar o absolutismo estatal em matéria religiosa. Toda a política eclesiástica de Luís XVIII e Carlos X visava ressuscitar o galicanismo. Se a França não se tornou um país galicano, isso se deve em grande parte a Félicité de Lamennais.

Lamennais aliava a uma inteligência genial um dom excepcional de proselitismo. Discípulo de Joseph de Maistre, reuniu em torno de si uma verdadeira plêiade de futuros grandes nomes do Catolicismo, formando-os e difundindo as idéias ultramontanas. Assim, vemos em La Chênaie, seu quartel general: D. Guéranger, o restaurador da liturgia romana; o Pe. Salinis, que seria cardeal e um dos primeiros jornalistas católicos; o Pe. Rohrbacher, o melhor historiador da Igreja no século XIX; o Pe. Gerbert, que Louis Veuillot considerava um dos mestres da literatura francesa; o Conde de Lacordaire, Montalembert e tantos outros, sem contar os trânsfugas como Lamartine e Victor Hugo.

De La Chênaie partiam os assaltos contra o galicanismo, quer combatendo os seus erros, quer denunciando suas tramas, quer expondo os verdadeiros princípios do Catolicismo. De lá saíam livros, jornais, novas edições de Joseph de Maistre, obras de puro apostolado. Tendo Chateaubriand aberto as portas do "Le Conservateur" a Lamennais e seus discípulos, as teses caras a Joseph de Maistre eram expostas no melhor jornal da época. Lamennais não deixava em paz Mons. Frayssinous, Bispo de Hermópolis, Grão-Mestre da Universidade e nessa época chefe do galicanismo. A Inquisição, a Liga e os Guises eram exaltados, e, para grande escândalo de alguns galicanos, o Pe. Salinis publicava artigos em honra a S. Gregório VII.

Com a queda de Carlos X, toda essa obra tão promissora quase se perdeu, com a reviravolta brusca de seu chefe. De um momento para outro, o líder ultramontano e legitimista Lamennais passa a defender os erros da Revolução. É quando aparece "L’Avenir", fundado com o objetivo de "reconciliar a Igreja com a liberdade". Lamennais era uma bandeira, e o alto nível e brilho com que seus redatores apresentavam o jornal assegurou-lhe um sucesso incalculável. Pouco a pouco, porém, não tanto os ataques dos galicanos quanto a verdadeira orientação, que se tornava clara, foi afastando os católicos. "L’Avenir" foi perdendo assinantes e terreno, até ser forçado a desaparecer em 1832.

É bastante conhecida a história do fim de Lamennais. Fechado o jornal, ele vai para Roma com Lacordaire e Montalembert, pedir à Igreja um pronunciamento sobre as teses do "L’Avenir". Recebendo-os friamente, Gregório XVI usa de todos os meios para não ser obrigado a lançar uma condenação sobre o antigo campeão da infalibilidade. Lacordaire e Montalembert vêem a partida perdida e se afastam da cidade, mas Lamennais, tomado de um orgulho satânico, se obstina. Quando resolve afinal retirar-se, o faz com um supremo desafio à Santa Sé, declarando ao internúncio em Florença que vai reabrir "L’Avenir", e que não querendo Roma julgá-lo, considerava-se absolvido. Gregório XVI, com a Encíclica "Mirari vos", condena então todas as teses de "L’Avenir". Abafando sua revolta, Lamennais submete-se, para pouco depois apostatar.

O conhecido agitador italiano Mazzini escrevia por essa época: "Napoleão, aprisionando o Papado, arrastando-o para Paris, ameaçando-o e transigindo politicamente com ele, acabou de o desconsiderar e aviltar. Tombado o gigante, e a inércia política permitindo o renascimento dos estudos filosóficos e pacíficos, aparecem o espiritualismo, o ecletismo, escolas que, embora não reneguem o sentimento religioso, não consideram mais o Papado como um elemento necessário. Em todo o mundo católico não ficava para o Papa senão Joseph de Maistre".

Era cedo ainda para Mazzini cantar vitória. Lamennais, de fato, comprometera seriamente o movimento católico do século XIX com a aventura de "L’Avenir". Sua escola cindiu-se. Alguns, como Lacordaire e Montalembert, conservaram as tendências más da segunda fase, da época do jornal, e iriam tomar mais tarde o lado dos católicos liberais, enquanto outros, como D. Guéranger, o Pe. Rohrbacher e o Pe. Salinis conservaram a formação antiga. Dentro em breve surgiria aquele que, como Lamennais da primeira fase, seria o sucessor de Joseph de Maistre na defesa do Papado: Louis Veuillot, o maior jornalista católico de todos os tempos.