segunda-feira, 23 de março de 2009

A Honra de ser Cavaleiro Cristão

A cavalaria cristã foi uma instituição que deu à Igreja muitos santos, e que dirigiu para a defesa do bem os ardores bélicos dos descendentes dos bárbaros. Ela alcançou sua maior perfeição nas Ordens Religiosas militares, como a do Santo Sepulcro, a dos Hospitalários e a dos Templários. Aos cavaleiros se deve a salvação da Europa – e portanto da civilização – ameaçada pelos turcos muçulmanos. Por toda parte o cavaleiro era respeitado e amado. Mesmo entre os infiéis, o prestígio da instituição era extraordinário. Seus brasões e cruzes infundiam terror e admiração ao inimigo, mil vezes vencido.

Na cruzada de São Luís contra o Egito deu-se um episódio que evidencia bem a glória dos cavaleiros medievais.

 O exército cristão, após vitórias extraordinárias, quando estava prestes a tomar o Cairo, sofreu grave derrota em Mansurah. A doença veio completar a desgraça. São Luís foi obrigado a ordenar a retirada. O próprio soberano, tendo ficado doente e não podendo continuar a proteger seu exército em fuga, caiu em poder dos muçulmanos. Por fim, a maior parte de suas tropas foi aprisionada.

O Egito tinha obtido a vitória quase ao mesmo tempo em que da Síria chegava o novo sultão Almoadam. O êxito extraordinário assim alcançado, e o fato de haver sido aprisionado o maior soberano cristão, tornaram ébrio de orgulho o novo monarca maometano. De toda parte os chefes infiéis lhe dirigiam felicitações. O governador de Damasco, a quem Almoadam enviara o manto de São Luís, lhe escreveu: "Alah, sem dúvida, vos destina à conquista do universo, e vós ides marchar de vitória em vitória. Quem poderia disso duvidar, sendo que vossos escravos se cobrem  com os despojos que conquistastes aos reis?"

Nem todos, porém, viam Almoadam com os mesmos olhos aduladores. Os mamelucos do Egito, que tinham suportado o peso da guerra e obtido a vitória, estavam descontentes, porque viam os maiores proveitos e vantagens serem distribuídos aos favoritos que o sultão trouxera da Síria, e que só tinham vindo até as margens do Nilo para festejar o triunfo. Muitos emires tinham sido substituídos, e outros temiam que o mesmo lhes acontecesse.

Chegger Eddour, sultana que governara o Egito durante certo tempo, incitava os chefes mamelucos a matar o sultão, a fim de recuperar o poder. Os conspiradores resolveram assassinar Almoadam durante as festas de vitória que se realizariam em Forescour, às margens do Nilo. No final do banquete um oficial tentou matar o sultão, mas apenas conseguiu feri-lo na mão. Ele fugiu e se encerrou numa torre.

De uma janela, o sultão começou a gritar por socorro, enquanto os mamelucos o intimavam a descer. Os rebeldes, a quem qualquer perda de tempo podia ser fatal, puseram fogo à torre. As chamas cresceram e envolveram o egípcio. Vendo-se perdido, Almoadam lançou-se do alto e caiu aos pés de seus inimigos. Implorou perdão e ofereceu em prantos o seu próprio trono, em troca da vida. Tudo em vão. Um dos chefes de sua guarda, Octai, o repeliu com ira, enquanto outro lhe deu um golpe de sabre. Sangrando, lançou-se ao Nilo para tentar fugir, mas os mamelucos se atiraram em sua perseguição e o transpassaram com inúmeros golpes. Os autores árabes dizem que Almoadam morreu ao mesmo tempo pelo ferro, água e fogo.

Em Forescour estavam os prisioneiros cristãos, inclusive São Luís, que ouviam todo o tumulto provocado pela movimentação de tropas e gritos de vitória dos selvagens, e julgavam que os infiéis tinham tomado Damietta ou massacravam os prisioneiros. No meio dessa angústia, São Luís viu entrar na tenda o emir Octai, com uma espada ensangüentada. O maometano mandou que os guardas se retirassem, e estando a sós com o rei, lhe disse: "Almoadam já não existe. Que me darás por ter-te libertado de um inimigo que premeditava a tua ruína e a nossa?"

São Luís nada respondeu. O infiel apontou-lhe a espada, e exclamou irado: "Não sabes que eu sou senhor de tua pessoa? Faze-me cavaleiro, ou serás morto!" São Luís respondeu então: "Faze-te cristão, e te farei cavaleiro". Octai retirou-se, sem fazer mal a São Luís.

Podendo pedir terras, riquezas (São Luís prometera um milhão de bizantinos de ouro pelo resgate de suas tropas), podendo vingar-se contra o rei cristão, podendo tornar-se senhor do Egito, esse maometano preferia a honra de ser cavaleiro. Assim, contra os detratores da Civilização Cristã, Octai, um infiel, prova o prestígio e a glória da cavalaria medieval.

 *PCO

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